Um grupo de cientistas liderados pelo brasileiro Alysson Muotri, da Universidade da Califórnia em San Diego, usou "minicérebros" criados em laboratório para simular uma doença neurológica e testar drogas para tentar curá-la.
As estruturas usadas na pesquisa foram criadas a partir de células da pele de pacientes da chamada "síndrome do duplo MECP2", que causa problemas cognitivos e motores graves. Crianças com essa doença rara – que só teve sua causa genética identificada há cerca de uma década – dificilmente chegam a mais de dez anos de idade. Ainda não há tratamento para a síndrome, mas o grupo de Muotri, que também é colunista do G1, encontrou uma substância que deve passar por um teste clínico em breve.
A droga foi encontrada após o cientista usar minicérebros doentes para testá-la. Para criar essas estruturas, a equipe do biólogo usou células da pele de pacientes como ponto de partida para criar neurônios em laboratório. Dessa forma, as estruturas criadas poderiam imitar os problemas de desenvolvimento nervoso que ocorrem nos portadores da doença.
A primeira coisa que os cientistas fizeram foi reverter as células cutâneas dos pacientes para um estágio primitivo, similar ao das células-tronco de embriões humanos, unidades genéricas não especializadas. Depois disso, as células foram reprogramadas para se transformarem em neurônios, os quais formaram enfim os minicérebros ou “neurosferas”, termo técnico adotado pelos cientistas.
Essas estruturas orgânicas são uma versão aprimorada das culturas de células – células mantidas vivas em pires de laboratório, usadas para observar o comportamento de tecidos. No caso do tecido nervoso, a vantagem de criar esses “organoides” sem deixá-los grudar na base do pires é que eles reproduzem a maneira tridimensional com que os neurônios estão no cérebro. Dessa forma, é possível simular com mais precisão o efeito de doenças nervosas.
Simulação
“O minicérebro não tem uma estrutura completa e não é um cérebro em miniatura”, explica Muotri. “Muito provavelmente ele não 'pensa' e não tem consciência, mas ele simula de forma rudimentar o tipo de organização que existe no cérebro humano.”
A vantagem de usar minicérebros em laboratório é que eles crescem como culturas de células e formam naturalmente uma estrutura em camadas – similar à que existe no córtex, a superfície do cérebro, responsável pelo processamento mais sofisticado de informações no sistema nervoso. Possuindo tamanho médio em torno de 30 micrômetros — largura de um fio de cabelo de bebê – essas estruturas são maiores que os grupos isolados de neurônios em cultura de células bidimensionais. É possível assim, medir os impulsos elétricos que trafegam por essa estrutura e verificar se estão ocorrendo de forma normal.
Ao observar os minicérebros criados a partir de células dos portadores da síndrome do duplo MECP2, os cientistas notaram que os neurônios – células naturalmente dotadas de ramos e filamentos que as conectam umas às outras – estavam se ramificando demais. Isso fez com que criassem entre si conexões em excesso e de forma desordenada, impedindo o desenvolvimento saudável do cérebro.
A doença possui esse nome porque esse defeito congênito é causado pela multiplicação do gene MECP2, que normalmente só possui uma cópia no DNA. Conhecendo o gene que causava a doença, os cientistas buscaram moléculas que pudessem interferir nas reações bioquímicas relacionadas a ele no organismo.
Testando mais de 40 drogas, os cientistas encontraram uma que conseguiu reverter os efeitos nocivos da doença nos minicérebros. Um composto sintético batizado com a sigla NCH-51, descoberto já há alguns anos numa varredura em busca de drogas contra o câncer, “curou” as neurosferas sem causar efeitos colaterais. O resultado do trabalho foi descrito num estudo de Muotri que sai nesta segunda-feira na revista “Molecular Psychiatry”.
Os cientistas devem entrar dentro de alguns meses com um pedido de autorização para realizar um ensaio clínico onde a substância será testada nas crianças doentes. O trabalho provavelmente terá continuidade no Centro de Genética Humana de Leuven, na Bélgica, que colaborou com o grupo de Muotri e possui mais expertise na área clínica.
Organoides
Se a droga se mostrar segura e eficaz nos testes clínicos, o trabalho liderado pelo biólogo brasileiro deverá ser o primeiro a obter sucesso usando essa técnica para encontrar medicamentos.
Muotri não foi o primeiro a criar um minicérebro. A técnica foi demonstrada pela primeira vez em 2013 por Madeline Lancaster, da Academia Austríaca de Ciências, que chamou essas estruturas de “organoides cerebrais”. Outros grupos de pesquisa já criaram organoides para simular outros tipos de órgãos humanos.
Essas pequenas estruturas são algo que acabou surgindo naturalmente do campo de estudo de células-tronco, quando cientistas começaram a perceber que neurônios criados a partir de células-tronco tem uma capacidade se auto-organizar, formando camadas. Muotri acredita que será possível aprimorar ainda a técnica no futuro.
“Mesmo não sendo um cérebro em miniatura propriamente dito, a neurosfera tem um nível de organização muito melhor que os neurônios numa cultura bidimensional”, diz o cientista. “Acho que a gente vai se encaminhar para, algum dia, obter um cérebro mais perfeito em laboratório, mas ainda não chegamos lá.”